"Aterroriza-me o que sou para vós; consola-me o que sou convosco. Pois para vós sou bispo; convosco sou cristão"

PALAVRA DO BISPO

A FRATERNIDADE PRESBITERAL: UM ANTÍDOTO AO TÃO FALADO CLERICALISMO...

Você acredita na amizade fraternidade presbiteral?

Vocês acreditam na amizade entre padres, por amizade não quero dizer tanto ou, pelo menos, não apenas a partilha de crenças, fé, ideais, problemas, preocupações, mas sim aquele prazer sutil e indefinível de nos vermos novamente, de estarmos juntos, brincando, participando de algo da sua vida? Observe como os sacerdotes se comportam quando se reúnem para uma conferência, um dia de estudo ou de oração. Terminada a aula, a meditação ou a celebração litúrgica, todos fogem apressados, todos têm algo em que pensar ou fazer que é mais importante ou agradável do que estar juntos, revelando assim uma indiferença triste e dolorosa para com os outros. Não existe má vontade, existe pior: indiferença, ausência de sentimentos. A presença dos irmãos não desperta nada no coração, todos são simplesmente supérfluos. Às vezes, observando esses comportamentos de fuga, fico com uma suspeita horrível: o padre não sabe amar, não quer amar. No entanto, conhece a voz e os apelos do coração, o isolamento, a necessidade do calor humano, mas não se interessa pela amizade, talvez nem mesmo pela cordialidade, aquele sentimento espontâneo e sincero que faz o coração escorregar para a palma da mão, que Muda, no indivíduo, sua forma de olhar, ouvir, falar e leva à confiança. Muitas vezes ouvi palestrantes cultos e brilhantes, professores carismáticos de oração, mas tive que constatar, muitas vezes, que nem eles fogem à regra, não são capazes de amizade, muitas vezes nem sabem dizer olá: seus corações humanos estão secos”.

 

Sinais de fraternidade sacerdotal

Como uma atitude nessa marcha rumo ao Jubileu do Centenário de criação da nossa Igreja Particular, busquemos trabalhar seriamente para superar uma certa desconfiança e descontentamento tão difundidos entre nós… Aqui apresentamos  alguns sinais muito concretos de fraternidade sacerdotal:

 

  1. Sinal da humanidade do sacerdote – Empenhemo-nos em fazer de cada encontro sacerdotal um encontro interpessoal, para que o outro se sinta reconhecido, estimado, respeitado e amado. Nenhum encontro entre dois ou mais padres deve realizar-se sem que esta dimensão interpessoal seja expressa em alguma medida. É o primeiro sinal da nossa humanidade e do fato de não nos anularmos na funcionalidade. Consiste em garantir que quando os sacerdotes se reúnem, seja qual for a agenda, aconteça antes de tudo que os homens se encontrem precisamente como tais, como seres humanos que se olham de frente, se cumprimentam, se acolhem, se abrem uns aos outros para outros, emergem dos limites do seu próprio individualismo, da indiferença, dos preconceitos. Em suma, faça com que, no encontro pastoral, o encontro interpessoal seja colocado em primeiro plano. Me ofende muito, enquanto bispo diocesano, quando alguém me diz: “Só venho à reunião se tiver um palestrante interessante!” Mas não somos irmãos igualmente interessantes? Os encontros espirituais e pastorais não funcionam apenas “depois”, pelas escolhas neles feitas; pelo contrário, têm um valor em si mesmos, como sinais visíveis daquela fraternidade que se vive na pertença ao presbitério. Por esta razão, deve-se ter em conta uma certa ascese dos encontros, favorecendo a amizade entre os sacerdotes, a aceitação e, por vezes, até o suporte mútuo dos encargos do ministério. Os encontros de formação permanente ajudam sem dúvida o sacerdote a experimentar a dimensão da Igreja-comunhão. Pode-se formar também a nível pessoal, mas são necessários estes encontros para crescer na dimensão da fraternidade e do presbitério.
  2. O sinal da corresponsabilidade no ministérioOutro sinal de fraternidade presbiteral reside no diálogo pessoal que constrói a relação entre os sacerdotes em torno da responsabilidade que eles assumem, juntamente com o bispo, no trabalho que partilham e na procura comum de caminhos viáveis e exequíveis para a vida cristã da comunidade. Acontece quando nas reuniões de trabalho, estamos dispostos a ouvir os outros, a ser estimulados, a identificar caminhos adequados para o trabalho de todos, evitando tanto o espírito de contradição como a procura de um certo protagonismo pessoal.
  3. Fraternidade e comunicação – Para nos tornarmos irmãos é necessário nos conhecermos. Para nos conhecermos, é importante comunicar de uma forma mais ampla e profunda. A falta e a pobreza de comunicação costumam gerar o enfraquecimento da fraternidade, pelo desconhecimento das experiências dos outros, o que torna o irmão estranho e a relação anônima, além de criar situações reais de isolamento e solidão. Não pode haver fraternidade onde não há comunicação. Na discussão sobre a fraternidade sacerdotal não se deve descurar a atenção e o acolhimento dos sacerdotes que partiram. “Penso também naqueles sacerdotes que, por diversas circunstâncias, já não exercem o ministério sagrado, embora continuem a trazer dentro de si a especial configuração a Cristo inerente ao carácter indelével das ordens sagradas. Rezo muito também por eles e convido todos a recordá-los na oração, para que, graças também à dispensa regularmente obtida, possam manter vivo dentro de si o compromisso pela coerência cristã e pela comunidade eclesial” (João Paulo II, 18 -5-2000).
  4. Fraternidade sacerdotal, dom de graça para os sacerdotes – Na vida do sacerdote existe um tecido muito rico de relações humanas de todos os tipos, dentro da caridade pastoral, tanto de natureza descendente, como igualitária e, mesmo se notamos a falta de experiência conjugal, no entanto, a “solidão” do celibato é bem habitada, como recorda Pastores dabo vobis, no n. 74: “É uma solidão habitada pela presença do Senhor, que entra em contato, na luz do Espírito, com o Pai… aliás, pode-se afirmar que quem não sabe viver bem a sua solidão é não é capaz de uma verdadeira fraternidade”… mas há também uma solidão que surge de várias dificuldades e que, por sua vez, causa dificuldades adicionais. Neste sentido, «a participação ativa no presbitério diocesano, os contatos regulares com o bispo e outros sacerdotes, a colaboração mútua, a vida comum ou fraterna entre os sacerdotes, bem como a amizade e a cordialidade com os fiéis leigos ativos nas paróquias, é muito importante. Há meios úteis para superar os efeitos negativos da solidão que às vezes o sacerdote pode experimentar”. É preciso dizer que a fraternidade sacramental contribui muito para a busca da identidade sacerdotal e do amadurecimento humano. Essa fraternidade sacerdotal promove um amadurecimento sereno e fecundo diante da afetividade adulta e é eficaz para superar não só a solidão, mas também os riscos de quem vivencia sua afetividade de forma reprimida e que pode dar origem a neuroses, agressões, escrúpulos. … todos sinais claros de uma fraternidade pouco vivida e desfrutada. A fraternidade é necessária para viver o celibato com alegria e autenticidade, rompendo a fuga que nos refugia na agressividade inconsciente, manifestada no clericalismo exacerbado, que se expressa em atitudes violentas no relacionamento como os leigos e no desenvolvimento de uma postura que o faz construir posturas agressivas de exclusão e descarte, achando que se auto basta. Um caminho de comunhão fraterna harmonioso, laborioso, rico de calor humano e sobrenatural, espalha entre os seus membros um sinal de relaxamento, equilíbrio e satisfação, para que fiquem como que vacinados contra a procura de compensações emocionais fora dele, e torna mais difícil para que surjam arrependimentos, para a renúncia feita com a escolha do celibato. O problema das vocações também está ligado a tudo isto. Pode-se convidar um jovem a percorrer o caminho que conduz ao sacerdócio sem lhe oferecer também um estilo de vida verdadeiramente convincente, que valha a pena assumir tanto do ponto de vista humano como espiritual? O modo como vivem hoje alguns sacerdotes não pode fascinar quem não está disposto a viver e trabalhar sozinho e isolado.
  5. Fraternidade sacerdotal, testemunho eficaz para o povo de Deus – As repercussões imediatas da fraternidade sacerdotal têm sobre o povo cristão porque o sacerdote, o homem de comunhão com Deus, é também o homem totalmente envolvido nos assuntos do seu povo, o homem para os outros, o homem de serviço à comunidade, de dedicação pastoral à comunidade concreta. Ele lhes trará, portanto, a sua rica experiência de comunhão e partilha, porque a fraternidade produz fraternidade. Já “qualquer divisão entre bispo e presbíteros constitui um escândalo para os fiéis e, portanto, torna o anúncio pouco credível; pelo contrário, no sinal da fraternidade, o exercício da autoridade torna-se verdadeiramente um serviço…” (Instrumentum Laboris para o Sínodo dos Bispos, outubro de 2001, n. 88). O testemunho de unidade entre os sacerdotes e com o bispo, a união dos espíritos e dos corações, em particular da ação pastoral, constitui o primeiro e indispensável elemento da evangelização. A comunhão é a primeira forma de missão e a missão nada mais é do que uma comunhão que se expande cada vez mais. “Queridos sacerdotes, a nossa vida e o nosso ministério tornar-se-ão, por si mesmos, uma catequese eloquente para toda a comunidade que nos foi confiada, se estiverem enraizados na verdade de Cristo. O nosso, então, não será um testemunho isolado, mas coletivo… É a este contágio vital que devemos visar juntos, em comunhão eficaz e afetiva, para alcançar a “nova evangelização, cada vez mais urgente” (JOÃO PAULO II, Carta aos sacerdotes da Quinta-feira Santa de 1993).

Verifiquemo-nos realmente neste ponto tão decisivo para a qualidade do nosso ministério, tão importante para a eficácia do nosso ministério. Quão verdadeiro é o que Paulo diz para nós: “Competir no respeito mútuo!” (Romanos 12,10). “Nada façam por espírito de vanglória, mas cada um de vocês, com toda humildade, considere os outros superiores a si mesmo” (Fl 2,3).

 

A verdadeira comunhão ocorre quando sentimos o trabalho dos outros como nosso: “Ame o seu próximo como a si mesmo”, diz Jesus; Eu traduziria: “Ame o que os outros fazem como o que você faz”. É natural que todos estejam comprometidos com o que fazem pessoalmente ou em grupo: do ponto de vista da fé, sabemos bem, porém, que não é trabalho meu, nem trabalho do outro, mas sempre trabalho da Igreja: se entrarmos nesta perspectiva, nasce a autêntica comunhão, caso contrário permanece apenas uma bela palavra. Devemos forçar-nos à fraternidade para nos comportarmos de maneira digna da vocação que recebemos. “Exorto-vos, portanto, prisioneiros do Senhor, a comportar-vos de maneira digna da vocação que recebestes, com toda a humildade, mansidão e paciência, suportando-vos uns aos outros com amor, procurando preservar a unidade do Espírito através do vínculo de paz. Um só corpo, um só espírito, assim como fostes chamados a uma só esperança, a da vossa vocação, um só Senhor, uma só fé, um só batismo” (Ef 4,1-6).

 

Em tempos de sinodalidade, onde se levanta o tema do clericalismo (uma doença no clero), autoritarismo e uma auto referencialidade que adoece o clero e desfigura o seu ministério, gostaria de propor o tema da FC 2024: Vós sois todos irmãos, com o tema da amizade social como antidoto a essa nefasta enfermidade que assola o nosso clero.  

 

Dom Nelson Francelino Ferreira
Bispo diocesano de Valença.